CAPÍTULO 1 – TELEFONEMAS
— Não é possível! Nada!
Eduardo fechou o telefone móvel preto provocando um ruído tão forte que nem o eco dos variados sons do aeroporto abafou. Nervoso, passou as mãos no cabelo castanho encaracolado, suando frio e andando de um lado pro outro. Já não estava mais com o paletó, o mesmo mantinha pendurado no antebraço esquerdo, juntamente com a maleta preta com documentos importantes. O colarinho da camisa branca já estava aberto.
Era uma espécie de claustrofobia interior. Não agüentava mais. Encontrava-se ali há horas. Precisava que alguém viesse buscá-lo. Mas ninguém atendia o maldito celular!
Resolveu tentar novamente. Nada. E não estava desligado, pois chamava.
Irritado, dirigiu-se a uma das cafeterias do aeroporto e pediu um café bem forte, quem sabe ajudaria a aplacar um pouco a tensão.
Engano. O café estava exatamente do jeito que gostava, porém, não podia sentir o gosto e muito menos engolir. Era como se estivesse com a garganta fechada.
Agradeceu a atendente, pagou o café não tomado e retornou onde se encontrava antes. Só que decidiu sentar um pouco e dar alguns minutos para arriscar mais uma tentativa. Quem sabe a última.
O salão de beleza de Nora aquela tarde parecia estar mais cheio do que o habitual. Era como se todas as mulheres da cidade resolvessem arrumar unhas e cabelo aquele dia! Nora estava ficando quase louca e finalmente acabou caindo em si que não tinha mais como ser econômica ao extremo, seria obrigada a contratar mais ajudantes, porque as três manicures e as duas cabeleireiras já não eram suficientes.
O ambiente era alegre, ela nunca deixava de ligar uma música descontraída, caso contrário, não conseguia trabalhar. E este seu jeito de ser é que lançava tudo ao seu favor, mesmo com tantos compromissos, o estresse ali passava longe. Sua longevidade acabava contagiando as funcionárias e clientes, criando um clima agradável. Mesmo naquela ocasião, em que havia um monte de mulheres que não paravam de falar um segundo.
— Clarinha, você não podia ter feito escolha melhor. Este tom loiro claríssimo acinzentado orna perfeitamente com sua pele clara e ameniza as sardas.
— E eu não sei? Tenho bom gosto, querida! – afirmou com divertimento.
Clara era a cliente que Nora fazia questão de dar exclusividade. Nenhuma outra cabeleireira tocava em seu cabelo. Eram conhecidas de anos e amigas confidentes.
Falando em amigas confidentes, Julia, esta sim, a melhor amiga de Clara, que a acompanhava em todo lugar que ia, já estava ficando cansada de tanto tomar cafezinho e esperar sentada. Tinha feito unhas, cabelos, limpeza de pele e Clara não saía daquela cadeira. Não entendia por que Nora demorava tanto naquela escova se o cabelo da amiga era um chanel.
Talvez porque jogassem conversa fora mais do que qualquer outra coisa.
Quando Julia começava a bocejar alto e intensamente, Clara se dava conta e se apressava um pouco. Um pouco...
— Nora, passa uma pomada de silicone nos fios arrepiados pra finalizar que eu tenho que ir.
— Certo. – concordou, atendendo o seu pedido.
— Julia, faz um favor, pega ali a minha bolsa. – apontou para um dos sofás que estava perto de Julia. – Aí dentro tem uma carteira de couro marrom, passa pra mim. Vou pagar a conta a Nora.
Aliviada com a notícia, Julia apressou-se em fazer o que a amiga pediu. Remexeu um pouco na bolsa e teve dificuldade de encontrar a carteira. Não sabia como Clara conseguia colocar tanta coisa dentro de um espaço tão pequeno.
— Achou?
Mais uma pequena procurada e finalmente Julia encontrara a bendita. Encolhendo a testa, comentou:
— Clara, teu celular tá piscando e vibrando aqui dentro.
— Ah é, eu deixei no silencioso. A hora do salão é sagrada, não quero perturbação alguma.- declarou divertida.
Nora riu.
— Então não vai atender? – indagou exibindo em sua mão o aparelho que não parava de piscar a luz e vibrar.
— Agora vou, né? Fazer o quê? – arregalou os olhos estendendo a mão para pegá-lo.
Meio sem jeito por ter provocado ansiedade na amiga, Julia o entregou.
— É o Edu. – revelou depois de conferir a chamada, atendendo em seguida. – Alô. Oi.
Eduardo não acreditou que estava sendo atendido. Ficou de pé num pulo e voltou a andar de um lado para o outro, agora mais agoniado do que nunca. Aproveitou para despejar toda sua fúria. Estava aflito, irritado, indignado, histérico.
— Puta que pariu, finalmente! – gritou, sem dar a mínima por estar chamando a atenção das pessoas mais próximas. – Qualé Clara? Estou nesta droga de aeroporto há mais de horas. Primeiro meu vôo atrasa no Brasil por décadas, exausto da viagem agora chego aqui e com quem me deparo? Ninguém!
— É, eu vi na CNN que os serviços das companhias aéreas no Brasil estão deixando a desejar…
A serenidade dela do outro lado da linha o deixava ainda mais fora de si.
— Garota, você não tem noção? – desta vez até os menos próximos não puderam deixar de notar o escândalo. – Puta merda! Estou te falando que venho de uma viagem exaustiva, décadas num aeroporto, séculos noutro. O que você ta pensando? Qualé! Você esqueceu que eu vinha hoje? Era para estar aqui me esperando.
— Não, na verdade não me esqueci. É que precisei vir ao salão de beleza…
—… salão de beleza?!! – rosnou. – Você só pode estar brincando! Não, fala a verdade, você ta tirando uma com a minha cara, né?
— Tô não. Eu realmente estou no salão de beleza, tenho uma… - ela tentava informar de seu compromisso, mas não teve chance.
—… então por que não atendeu logo essa porra de celular? Caralho, Clara!
— Porque deixo no silencioso quando estou no salão de beleza.
— Que maravilha! Você sabia que eu estava para chegar, sua obrigação era a de vir aqui me buscar no aeroporto.
— Você não vai ficar hospedado na casa de meus pais? Por que não tomou um táxi até lá?
— Pura e simplesmente porque não sei o novo endereço deles! – esbravejou preste a dar um colapso.
— Ah, é… - divagou, comprimindo os lábios para não dar risada. Ele ainda continuava com essa mania de “pura e simplesmente”.
— E então?
— Então o quê?
— Vai vir me buscar aqui ou não, ora bolas?!
— Eu não vou poder.
— Como não? Eu me arranquei do meu país até aqui pura e simplesmente por sua causa e agora você vem me dizer que não vai poder fazer o mínimo de vir me buscar no aeroporto? Quanta delicadeza, não?
— Eu estou ocupada, mas pode ficar tranqüilo, acho que posso mandar o Armando até aí.
— Acha? Isso é um caso de vida ou morte! – agravou ainda mais o volume, se é que era possível. – Eu estou aqui, Clara. Estou aqui plantado neste maldito aeroporto com toda a papelada do divórcio prontinha pra você assinar.
— Tá bom. Vou mandar o Armando agora mesmo te buscar aí.
— A gente se vê na casa dos seus pais, então?
— Não, eu nem vou passar na casa dos meus pais. Terei apresentação hoje. Vou direto pra casa do Roger. Faz o seguinte, vai com o Armando pra casa dos meus pais, toma um banho, come alguma coisa, se acomoda e lá pelas dezenove horas, um pouco antes de eu entrar na pista, você me procura no meu camarim e leva os papéis pra eu assinar. Tá bom assim?
— Tenho escolha? – indagou exaurido.
— Não. – forçou um sorriso. – Vou me apresentar onde sempre me apresentei. Isto você sabe onde é, né?
— Lógico. Às dezenove horas então.
— Fechado. – retirou o telefone do ouvido e colocou-o em frente aos olhos, subindo de leve a sobrancelha direita. – Desligou.
Nora e Julia ficaram olhando pra ela, como que na espera de alguma explicação.
— É o Edu. Chegou do Brasil faz horas e tá preste a botar um ovo no aeroporto. – riu, discando o número do irmão. – Vou ver se o Armando pode ir buscá-lo. – o telefone chamou umas duas vezes. – Alô, mano? Onde você tá?
— Estou no escritório. – informou dando uma última ajeitada na mesa cheia de papéis. – Tive que resolver algumas coisas que não dava para deixar para segunda feira. Mas já estou de saída, não vejo a hora de chegar em casa.
— Está de saída mesmo? Nesta hora, neste instante?
— Sim, por quê?
— Ótimo. Maninho é um caso de vida ou morte. Eu estou ocupadíssima aqui no salão de beleza, você sabe, com a apresentação de hoje à noite, tenho que passar na casa do Roger ainda e…
—… diga logo o que quer. – ordenou resignado. Conhecia a irmã como nunca, afinal, ele era seu quebra-galho oficial mesmo.
— Maninho do coração, é que o Edu tá no aeroporto preste a botar um ovo e…
— O quê?!! – horrorizou-se. – Você ainda não foi buscar o Edu?
— Maninho, eu não pude…
—… francamente Clara! Ele veio até aqui exclusivamente por sua causa e você larga o homem no aeroporto sem mais nem menos? Ele não conhece nosso novo endereço.
— Eu sei, mas
—… o que houve? Você esqueceu? Ou foi por maldade mesmo?
— Maldade? – disse indignada. – Maninho, posso ter todos os defeitos do planeta, mas maldade não!
— É, eu sei. Desculpe. Mas é que é muita coisa. Você sabia que ele vinha hoje, como não foi buscá-lo?
— Maninho, só há uma coisa em minha cabeça hoje.
— Sei, sei, a apresentação.
— Então! Não posso me dar ao luxo de perder tempo ainda e buscar o Edu no aeroporto. Faz esse favorzinho pra mim, pelo amor de Deus!
— Faço, sim. Faço.
— Ai… - suspirou aliviada, pondo a mão no peito. – Graças a Deus! Você é o melhor maninho do mundo!
— Sem alugação, Clara, vai.
— Mas é sério! Você vai à apresentação, não vai?
— Se o Edu não me matar antes. – ela deu risada do outro lado da linha. – Sério. O homem deve estar soltando fogo pelas ventas.
— Pior que acho que está mesmo. – disse rindo.
— Você ri porque não é você que vai buscá-lo, né? Mas a gente se vê mais tarde então. Acho. – ironizou fazendo-a rir de novo.
— Certo maninho, te amo.
— Também te amo. Tchau.
— Tchauzinho. – desligou. – Bem, meninas… - respirou fundo levantando da cadeira. – Preciso ir porque ainda há muito que fazer. Devo me preparar para a apresentação.
— E o marido como ficou? – Nora quis saber. – Resolveu o problema ou o homem ainda vai botar muitos ovos?
— Resolvi o problema sim. E se tudo correr normalmente, ele deixará de ser marido daqui a algumas horinhas. Oficial.
— Você sabia que ele vinha e o deixou plantado lá no aeroporto, Clara? – questionou Julia.
— Ai meu Deus! – olhou pra cima, cansada. – Será possível que todo mundo agora vai me censurar? Eu sabia que ele vinha sim, mas também não fui eu que estipulei a data. Tenho culpa se a data que ele estipulou não bateu com a minha? Tenho meus próprios compromissos, ora! E compromissos inadiáveis.
— Não estou te censurando, credo! Só achei estranho. E também indelicado de sua parte largar o homem lá.
— Eu não “larguei” o homem lá. Estou mandando meu irmão, não estou? Acho que isso basta. Ou será que é preciso estender um tapete vermelho pro cara passar?
Nora meneou a cabeça. Percebendo isso, Clara perguntou, desgostosa:
— O que foi, Nora? Até você agora vai me recriminar?
— Quem sou eu, Clara? Só não acho que deva ser legal fazer uma longa viagem exaustiva e ser largado no aeroporto por horas a fio. Só isso.
— Tá certo, eu errei. Eu errei! Era isso que vocês queriam ouvir? Então pronto, ouviram.
— Liga não, Clarinha. É que a minha geração agia de modo muito diferente da geração de vocês. Quando estava para me divorciar, eu fiz de tudo para agradar e manter o meu relacionamento. Mas não adiantou nada. – respirou fundo, meio triste. – É que a minha geração foi uma geração de mulheres imbecis, que casavam de branco e acreditavam que era pra toda a vida.
— Então também sou uma imbecil. – disse Julia, levando uma das mechas do cabelo loiro para trás da orelha. – Quero me casar de branco e é lógico que quero que seja para toda a vida.
— Não há nada de imbecil nisso. – afirmou Clara. – Ainda casamos de branco, Nora, sabia? E francamente… ninguém investe milhões numa festa e num vestido deslumbrante pensando na papelada do divórcio, né? Isso eu te garanto.
— É mesmo, né? – Nora, pensativa, caiu em si.
Clara reafirmou fazendo que sim com a cabeça. Mas não demonstrava o abalamento ao tocar no assunto como Nora. E talvez esta fosse a verdadeira diferença. Na hora do casamento, todas as mulheres eram iguais. Só que na hora do divórcio, a geração de Clara encarava tudo com maior naturalidade.
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